quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Relendo Todorov: A literatura em perigo

Muitas vezes, dependendo da intensidade com que as leituras se sucedem, um exame mesmo que rápido nas estantes pode trazer belas surpresas. A voracidade com que não raro nos atiramos ao novo, lendo de forma quase indisciplinada ou mesmo descuidada, nos faz lembrar que o conhecimento se dá mesmo é no vagar desigual da releitura. Nesse sentido, livros lidos nos primeiros meses do ano revelam passagens sublinhadas (a lápis) que, se não fosse o acaso nos fazer retomar o volume, estariam na antevéspera ingrata do esquecimento. Destaco hoje a redescoberta de uma obra vibrante de Tzvetan Todorov: A literatura em perigo (Rio de Janeiro: DIFEL, 2010).
“Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver (...). Não creio ser o único a vê-la assim. Mais densa e eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano”.
“Se a poesia não deve se submeter à procura da verdade e do bem, é porque ela é em si mensageira de uma verdade e de um bem superiores àqueles que podemos encontrar fora dela”.
“(...) não somente a arte conduz ao conhecimento do mundo, mas (...) ao mesmo tempo revela a existência dessa verdade cuja natureza é diversa”.
“A arte interpreta o mundo e dá forma ao informe, de modo que, ao sermos educados pela arte, descobrimos facetas ignoradas dos objetos e dos seres que nos cercam”.
“A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir de dentro. A literatura tem um papel vital a cumprir; mas por isso é preciso tomá-la no sentido amplo e intenso que prevaleceu na Europa até fins do século XIX e que hoje é marginalizado, quando triunfa uma concepção absurdamente reduzida do literário. O leitor comum, que continua a procurar nas obras que lê aquilo que pode dar sentido à sua vida, tem razão contra professores, críticos e escritores que lhe dizem que a literatura só fala de si mesma ou que apenas pode ensinar o desespero. Se esse leitor não tivesse razão, a leitura estaria condenada a desaparecer num curto espaço de tempo”.
“A leitura de romances, segundo [Richard Rorty], tem menos a ver com a leitura de obras científicas, filosóficas ou políticas do que com outro tipo bem distinto de experiência: a do encontro com outros indivíduos. Conhecer novas personagens é como encontrar novas pessoas, com a diferença de que podemos descobri-las interiormente de imediato, pois cada ação tem o ponto de vista de seu autor. Quanto menos essas personagens se parecem conosco, mais elas ampliam nosso horizonte, enriquecendo nosso universo. (...) Essa aprendizagem não muda o conteúdo do nosso espírito, mas sim o próprio espírito de quem recebe esse conteúdo (...). O horizonte último dessa experiência não é a verdade, mas o amor, forma extrema da ligação humana”.
Michael Ancher: Sick girl, 1882

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