quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Emil Cioran: Breviário de Decomposição (1)

Nascido na Romênia em 1911, Emil Cioran, depois de graduar-se em Filosofia pela Universidade de Bucareste, mudou-se para a França com o objetivo de especializar-se no pensamento de Nietzsche. Jamais concluiu sua tese. Em contrapartida, sua dedicação à escrita e reescrita de sua obra fez com que a crítica o considerasse um dos “maiores prosadores da língua francesa desde Valéry”. A palavra que talvez o defina com maior precisão seja desencanto. Porém, diante da maneira clara e límpida como desenvolve e expõe seu pensamento, nenhuma exatidão significa muito. Comparado a Kierkegaard, Wittgenstein e ao próprio Nietzsche, Cioran muito provavelmente desdenharia dessa tentativa de defini-lo e de enquadrar sua obra dentro de parâmetros estabelecidos. “Um livro que, após haver demolido tudo, não se destrói a si mesmo, exasperou-nos em vão”, diz, em Silogismos da amargura. Seu título mais conhecido continua sendo Breviário de decomposição, publicado na França em 1949. Após ter sido reescrita quatro vezes, a obra recebeu em 1951 o prêmio Rivarol. Cioran morreu em Paris, em 1995. De sua autoria, além dos dois títulos mencionados, a Rocco publicou Exercícios de admiração e História e Utopia. Os trechos a seguir são do Breviário (Rio de Janeiro: Rocco, 2011).
“Quem não conhece o tédio encontra-se ainda na infância do mundo, quando as idades esperavam para nascer; permanece fechado para este tempo fatigado que se sobrevive, que ri de suas dimensões e sucumbe no limiar de seu próprio... porvir, arrastando com ele a matéria, subitamente elevada a um lirismo de negação. O tédio é o eco em nós do tempo que se dilacera..., a revelação do vazio, o esgotamento desse delírio que sustenta – ou inventa – a vida...”.
“No início, pensamos para evadir-nos das coisas; depois, quando fomos longe demais, para perder-nos no remorso de nossa evasão...”.
“Na aspiração nostálgica não se deseja algo palpável, mas uma espécie de calor abstrato, heterogêneo ao tempo e próximo de um pressentimento paradisíaco. Tudo o que não aceita a existência como tal, avizinha-se da teologia. A nostalgia não é mais do que uma teologia sentimental, onde o Absoluto está construído com os elementos do desejo, onde Deus é o Indeterminado elaborado pela languidez”.
“Ninguém pode corrigir a injustiça de Deus e dos homens: todo ato é apenas um caso especial, aparentemente organizado, do caos original. Somos arrastados por um turbilhão que remonta à aurora dos tempos; e se esse turbilhão tomou o aspecto da ordem, é apenas para nos arrastar melhor...”.
“A vida é apenas um torpor no claro-escuro, uma inércia entre luzes e sombras, uma caricatura desse sol interior que nos faz crer ilegitimamente em nossa excelência sobre o resto da matéria”.
“Fui, sou ou serei, é questão de gramática e não de existência. O destino – enquanto carnaval temporal – presta-se a ser conjugado, mas despojado de suas máscaras, mostra-se tão imóvel e tão desnudo como um epitáfio”.
“A vida tem dogmas mais imutáveis que a teologia, pois cada existência está ancorada em infalibilidades que fazem empalidecer as elucubrações da demência ou da fé”.
“O homem é o ser dogmático por excelência; e seus dogmas são tanto mais profundos quando não os formula, quando os ignora e os segue”.
Cada um é para si mesmo um dogma supremo; nenhuma teologia protege seu deus como nós protegemos nosso eu; e este eu, se o assediamos com dúvidas e o colocamos em questão, é apenas por uma falsa elegância de nosso orgulho: a causa está ganha de antemão”.
Fotografia: Emil Cioran, por John Foley

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